terça-feira, 9 de maio de 2023

Sobre dois mundos, um vulcão e duas rodas...

Roberto Carlos, pouco mais de cinquenta anos, estatura mediana, sério, peso "leve", cabelos pretos, sorriso discreto, voz tranquila, olhar longínquo, olhos brilhantes inundados de emoção, algumas centenas de vitórias na bagagem. Vitórias essas além dos podiums das competições, vitórias sobre os desafios impostos pela vida. 

Ela, quarenta e um anos, muitos cabelos brancos, estatura mediana, séria, peso "pesado", voz e sorrisos envoltos de ansiedade, unhas roídas, algumas dezenas de projetos não concluídos. 

Com vinte e nove anos, Roberto Carlos descobriu o esporte. Ela, aos vinte e nove anos, não tinha projeto de vida, acreditava que morreria antes dos trinta anos. [Ela queria morrer]

O que o Roberto Carlos e ela tem em comum? Mutilados. Ele fisicamente... ela... bem, ela psicologicamente. O que fizeram disso? 

Ele seguiu a vida. Óbvio! Com suas dificuldades, mas seguiu. Ela estagnou no tempo e no mundo da sabotagem, perdeu o caminho e a vontade. Ontem, a vida lhes proporcionou um encontro. Ela ouviu um breve relato da história de vida dele. A crueza e riqueza de detalhes daquela manhã fez com que ela pudesse "voltar" àquela cena. Participou como testemunha a espreitar através de uma fresta. E a tarde, estava lá, testemunhando a própria cena, com a mesma riqueza de detalhes em tons amarelos de palidez.

Para ele, era manhã. Para ela, fim de tarde. Ambos, não sabiam o que dizer. Ambos, por um descuido, tiveram as vidas transformadas. 

Mil oitocentos e quinze, um vulcão entra em erupção na Indonésia, no Monte Tambora. Tamanho impacto causou alterações climáticas a milhares de quilômetros para além do raio da erupção vulcânica. O ano seguinte ficou conhecido como o ano sem verão. O frio dominou vários países, a fome reinou, animais morriam de frio ou para amenizar a fome humana. Dentre eles, os animais de tração, utilizados também como meio de transporte. Como alternativa, em mil oitocentos e dezessete, um barão barão alemão inventou algo que mais tarde seria aperfeiçoado e transformado no que hoje conhecemos como bicicleta.

É sobre isso... o que fazemos com nossas adversidades? Não tenho a resposta. Sei o que ela não fez. Sei o que ela deixou de fazer. Sei o quanto limitou-se a um perímetro de (falsa) segurança. Agora sei também o quanto Roberto Carlos não se limitou, sei o quanto esforçou e superou a si. Sei agora que o mar não foi suficiente para impedi-lo de ir além. E ele foi, simplesmente seguiu com seu diafragma quase explodindo pelo esforço do restante do corpo. Seguiu com suas pernas e sua mente, seguiu com seu braço esquerdo. Roberto Carlos seguiu, nadou, pedalou e correu. Homem perseverante, persistente e, acima disso, homem de fé, muita fé! 

Onde ela estava? Estava em um mundo criado pela própria mente para sobreviver da forma mais simples possível. Será que simples? Francamente, não sei. Até mesmo porque, criar carapaças para ocultar do mundo as feridas da alma, não é nada simples. Dá trabalho, é desgastante, é dolorido. Ele abriu-se para o mundo, enquanto ela fechava cada vez mais o seu mundo de ilusões perigosas e limitantes. Ele expandiu. Ela limitou-se. O vulcão no Monte Tambora foi além mares e montanhas, dizem ter influenciado em guerras, bem como levou à invenção de um novo meio de transporte - uma bicicleta raiz (feita de madeira). 

E assim, ontem, dois mundos estavam num mesmo ponto geográfico. Ele é pai. Ela tem medo de ser mãe. A face dela ficou tão rubra quanto a lava de um vulcão. Olhos marejados como céu a chover, corpo estremecendo como efeito do choque de placas tectônicas... Ele firme, postura ereta, dono de si, repleto de uma rica humildade, como o velho Tambora, imponente na sua simplicidade!

Francamente, esse post tomou um rumo não traçado, quando abri a aba para digitar. A intenção era falar sobre a principal diferença, a oposição gritante. Roberto Carlos, cinquenta e poucos anos, ciclista, nadador, corredor, teve o braço direito amputado aos quatro anos de idade em um moedor de cana [curiosidade de criança, piscar de olhos de adultos - acidentes!]. Ela, quarenta e um anos, dois braços inteiros, duas pernas inteiras, audição (diga-se de passagem) perfeita, visão (assim, pouca e meio) turva em alguns momentos, sedentária, com transtorno de ansiedade e depressiva em estado estável por causa da medicação. 

A visita do Roberto Carlos ao Instituto Lucas Campos fez com que eu chegasse até o vulcão Tambora, na Indonésia. 

Enfim... diante do Monte Tambora, a covardia e a coragem ficaram frente a frente. 


Referências: 

Google - pesquisar sobre: surgimento / invenção e aprimoramento da bicicleta; vulcão / monte Tambora - Indonésia -  ano 1815.

Instagram - @mynamerobertocarlos @institutolucascampos.

01:51, nono dia do quinto mês de dois mil e vinte e três.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Agradeço pela visita!! Logo logo estaremos melhores do que somos hoje! Abraços!!!🤗😘🥰

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  2. Reinaldo Roberto da Cruz9 de maio de 2023 às 12:46

    Adoro esses seus temperos, Anália!
    Sua brilhante descrição me insere, ora como Roberto Carlos, ora como a "perdedora". Maravilha de narrativa.
    Atrevido, faço dois "poréns": vencedores não perdem, mesmo? Será que perdedores nunca vencem?
    Bora, bora, bora!!

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    1. Grata pelo feedback, meu Caro!!! Perguntas intrigantes, penso que depende do que é considerado vitória e derrota (risos)... E sim, concordo contigo... são dois "Poréns" gigantes!!! "Ramo que Ramo!" 😊🤗😘

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