domingo, 19 de janeiro de 2020

Sete

Sete...
...Pecados
...Vezes setenta e sete vezes
...Horas
...Dias
...Semanas
...Meses
...Anos.

Há sete anos planejara a morte, queria algo que fosse menos chocante. Nada de sujeira, nada de nojeira.

Mesmo que o desejo de morte fosse iminente, pensava constantemente no constrangimento que sentiria. Na mente passava todo tipo de diálogo e as ações posteriores que teriam diante do corpo já em começo de decomposição.  Queria morrer, mas não queria passar por aquilo.

Dúvidas sempre teve: a vida acaba mesmo com a morte? Na verdade, a vida mudaria de um estado para o outro? Mas é a consciência? Simplesmente adormeceria profundamente ou ouviria, sentiria, veria tudo de fora do corpo? Esse pavor do pós morte era [e ainda é] quem paralisava o ato de matar-se!

Além disso, surgiam também os pensamentos dos julgamentos passado os dias de luto: mexeriam em suas coisas, tratariam com desdém, descartando o que antes tinha todo um sentido, uma ordem. No pós morte, aquilo seria apenas um amontoado de coisas sem nexo de uma mente imatura.

Esse pavor ainda persiste porque testemunhou como as coisas perdem a cor, o gosto, a ordem, o sentido. Testemunhou como tudo vira um amontoado de coisas descartáveis, raízes arrancadas da terra para dar lugar ao nada.

Então tudo vai se desmanchando, mudando de lugar. Sobram migalhas sorrateiramente furtadas da pilha de "isso não serve mais": um pote quase vazio de creme [como se aquele cheiro fosse ficar para sempre ali preso naquele frasco]; aquela blusa surrada, com fios brancos, presos entre a lã, como se ela pudesse aquecer e abrandar toda saudade futura... um tesouro furtado, fragmentos de uma vida que deixou de ser vida...

Sete anos... um abismo... saudade, lembranças. A rapidez de um dia... e a certeza de que tudo se esvai num suspiro, em poucos segundos a imobilidade rígida acusa a incompetência de cuidar de alguém. E a vida mostra o outro lado: você não é mais que um amontoado frio, imóvel e silencioso.

A vida se transforma em morte e te paralisa. A vida se foi deixando saudade, vazio, silêncio.

Uma incapacidade absurda de compreender que é esse o nosso ciclo. Incapacidade de seguir adiante sem raiva ou culpa.

Ela sentada na cadeira, com as mãos sobre os joelhos, os pés descalços, lágrimas de dor e medo da recriminação. Sirenes, socorrista, pronto socorro... os próximos dias quem poderia prever?!

As sirenes ainda estão presentes na mente...

Playlist
1- Crazy Mary - Pearl Jam
2- Man in the box - Alice in Chains
3- Hey you - Pink Floyd
4- The final cut - Pink Floyd

18:59, décimo nono dia do primeiro mês de 2020

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Madrugada ansiosa

Final / início de ano nos últimos 07 anos tem sido complicados. Neste em especial, está mais complicado pelo contexto de mudanças que me prôpus a fazer.

Nas últimas semanas, meu passatempo favorito [não é a bolacha não!] tem sido assistir a vídeos de atendimento/deslocamentos Samu e também também vídeos de abordagens / ocorrências policiais. E de quebra, ler os comentários - muitos hilários, outros sem fundamento algum, outros pertinentes, E alguns que causam uma certa curiosidade um tanto inesperada...

Assistir a esses vídeos trouxe algumas reflexões:
1) humanos sendo humanos e "humanos". Incrível a nossa capacidade de empatia para com o próximo - conhecido ou não. Incrivelmente igual a ignorância humana, as inversões de valores, a estupidez de algumas pessoas Brasil adentro. Expresso aqui TODO MEU RESPEITO E ADMIRAÇÃO pelos PROFISSIONAIS SOCORRISTAS (sejam do Samu, bombeiros, policiais, médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e afins) que atuam honrando a profissão e acima de tudo prezando por valores morais e éticos ao cuidar de outra pessoa. São exemplos de foco, disciplina, paciência e persistência, e, acima de tudo, uma calma absurda!! PARABÉNS!!!

2) Ouvir a sirene de uma ambulância não significa que passarei por toda aquela situação de sete anos atrás. Então, a forma de enfrentamento é continuar assistindo a vídeos de deslocamento com as sirenes ligadas. Ver e ouvir o quanto profissionais se doam pela profissão também é uma forma de amenizar esse sentimento de tristeza, dor e afins. Ouvir uma sirene agora tem significado que alguém está precisando de socorro e o mesmo está a caminho.

3) As vezes, mesmo com todo esforço, não é possível ter uma boa notícia. E é importante ter a ciência que para todos há um começo e um fim. Fato!! Estejamos preparados espiritual e mentalmente para quando este momento chegar. Eu não estava e - francamente, ainda não estou.

4) Aqui - creio eu - deixa de ser uma reflexão e passa a ser uma "neurose"... assistindo aos vídeos, penso: "Deusmelivre!! Tenho nem roupa se acontecer um trem desse comigo na rua!!"[aquele meme 🤣🤣🤣] medo de passar mal na rua [como já aconteceu algumas vezes], e estar em condições não muito adequadas. Estou mais cautelosa ao sair de casa agora. Até coloquei número de contato caso aconteça alguma coisa comigo. [É meio vergonhoso escrever as coisas que pensei].

Mas por que estou escrevendo sobre isso? Como sempre, a dona ansiedade está aqui agarrada do lado. Não me deixou dormir direito outra vez, nem dormir, nem estudar nem trabalhar. O que que resolvi fazer? Assistir aos vídeos em alguns canais dos profissionais do Samu e da Polícia Militar.

Do Samu, é meio tenso, dá uma certa aflição, mas ao final vem aquele UFA!! [Claro, teve alguns poucos que o final foi triste mesmo, faz parte!]

Já os vídeos gravados por policiais, tem muita parte tensa, mas alguns são muito engraçados... o trem é sério mas não tem como não rir!! As gírias, os sotaques, os comentários... então!! Os sotaques!!! Gente!!! Por enquanto assisti a vídeos: SC, DF, SP, PE e MG!! O que que é aquele sotaque de Pernambuco? [Risos] engraçado demais!! Misturado com as gírias deles, melhor ainda, "boy"!! [Muitos risos]

Mas, porém, contudo, todavia, entretanto, eis que começo a assistir aos vídeos de MG. Que sotaque mais gostosim!! Delícia de ouvir, orgulho de ser Mineira!! Estado do povo que fala mansim!!! Terra do pão de queijo!! [Modo gordice ativado!]

Resultado da ansiedade de ontem / madrugada de hoje: prosa com um mineiro desconhecido [que li o nome errado num primeiro momento], duas músicas que já estão na minha playlist, e um texto no blog!!

Músicas: a segunda eu encontrei quando procurava pela primeira - eu não sabia o nome, e só tinha uma referência de poucos segundos.

1) Garage - obrigada,  T.S. -MG, pelo empenho!!!

2) Black Sabbath - N.I.B

Agradecimento: Obrigada,  T. S. - MG, Por ter apresentado a música!!


12:34, sexto dia do primeiro mês de 2020.



quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Pessoa, Fernando

Cada coisa a seu tempo tem seu tempo

Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.

À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.

À lareira, cansados não dá obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,

E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
A negra ida do sol).

Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem

Das flores que na nossa infância ida
Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.

E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compúnhamos

Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
E há só noite lá fora.

Extraído de: Pessoa, Fernando. Quando fui outro / Fernando Pessoa.  Rio de Janeiro: Objetiva, 2006 (páginas 93 e 94) - [Alfaguara - Luis Ruffato]

00:00, primeiro dia do primeiro mês de 2020.