quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Parede esquecida

A tarde estava quente. Atrapalhada, ela saiu com o celular numa mão e a caixa organizadora na outra. Parou sobre a calçada, esperando o carro chegar. O carro parou ao seu lado, cumprimentou o motorista, abriu a porta de trás e colocou a caixa sobre o banco e fechou a porta. O carro saiu. 
- Moço! Moço! Moço! 
Chamava num tom de voz que ela pensara ser suficiente para que ele pudesse ouvi-la. O carro continuou subindo a rua deserta. Ela meio sem entender, e já rindo envergonhada pela situação, começou a digitar uma mensagem "Moço, você me largou para trás!"  
E a reação dela, ali no meio da rua, foi continuar rindo sem parar. Rindo porque ela sabia que ele jamais teria ouvido aquele discreto "Moço! Moço! Moço!" Se ao menos ela tivesse gritado "MOÇO! MOOOÇÇÇÇOOOOO!!!!! MOOOOOOOOOOOOÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!!!!!" Mas não, ela não conseguiu gritar! Ela só sabia rir de si naquela situação inusitada.

"Uai, gente! Como assim? Como assim ele me largou para trás?" Ela pensava num misto de vergonha e indignação enquanto ela olhava pelo GPS o carro seguindo normalmente. 

Uns 2 minutos depois:
- Moça! tem uma rota de preferência ou pode seguir o GPS mesmo? Tem uma rua interditada ali... Moça!? MOOÇÇAAA?????
- Acho que você esqueceu ela...  ou está me sequestrando??? 
- Como assim???
- Como assim??? Eu quem te pergunto!!! Fiquei assustada, achei melhor não me mexer!!! 

A rota do carro mudou. A risada aumentou. 

- MOÇA! DESCULPA!!!! TÔ VOLTANDO, CÊ TÁ AÍ????

Ele voltou para buscá-la! Ela entrou no carro rindo, ele rindo de nervoso, explicou que a viu com a caixa e abrindo a porta de traseira. E depois colocando a caixa sobre o banco. Ouviu o "Boa tarde!" e a porta fechar. E que como era  de costume não ficar olhando para os passageiros, principalmente se forem mulheres, ele olhou rapidamente pelo retrovisor , viu a caixa no banco e saiu com o carro. Só se deu conta de que a passageira não estava no carro quando foi perguntar sobre a rota que fariam. Ele ria de nervoso e vergonha. Ela ria de si mesma, dele e também do quão louco  e engraçado era aquele momento. Continuaram rindo, os dois, por mais quase 8 minutos. 


Chegaram excitados. Entre amassos e fantasias, tiraram as roupas na pressa que o momento exigia. Respiração afoita, beijos intensos. Sussurros prazerosos. Queriam uma transa intensa. Sorriam provocando um ao outro. 

Toques, lambidas, sussurros, beijos, abraços, amassos. A jogou na cama com mesma intensidade de querer sentir todo o calor que irradiava daquela mulher. Ela, na mesma vontade, o puxava para si. Beijos intensos. Movimentos íntimos, que não vem ao caso serem descritos, foram aumentando. 

O tesão dos dois corpos, os sorrisos provocantes, foram interrompidos por barulhos igualmente cheios de tesão, embora com um tom mais alto e mais agressivo. Agressivo no sentindo de mais ousado. 
- Que isso?!
- Nossa! Tá ouvindo? Estão fazendo tão gostoso! 
- Mas, nossa! Precisa de tanto?! 
- Precisa! Isso me deixou louco de tesão!!! 
-  Quer fazer igual? 
- Quero... quero fazer melhor que isso! 
- Aaaahhh éééééé???? Vem... 
- Vou sim, minha delícia gostosa!!! 
A partir deste momento só se ouviam gemidos altos, barulhos fortes, batidas. 

Desejo maximizado versus tesão contra a parede. 

Os casais, instintivamente excitados pela circunstância, aumentaram a disposição em tornar aquele encontro inesquecível. Os movimentos ficaram mais intenso... 

Um gemido... 
Dois gemidos...
Uma batida contra a parede... 
Quatro sustos... 
Quatro vergonhas... 
Quatro risadas de desespero... 
Uma parede de dry wall no chão...
O tesão deu lugar às risadas e foi embora... Uma lagartixa correndo pelo chão, esbravejando:
- Malditos humanos idiotas!!!! "Me joga na parede, me chama de lagartixa!?!?!" Patético!!! Bem feito!!!!

Encontros desconhecidos que resultaram em risadas... risadas altas...

A beleza das situações...  
pessoa esquecida
parede caída... 
lagartixa aborrecida... 
Risada garantida...


O cotidiano nas ruas e dentro de quatro paredes... Encontros numa tarde não mais vazia de risadas! 

16:46 nono dia do nono mês de 2020.










Sobre nossos desertos e sorrisos

Quantas vezes o cotidiano nos engole e deixamos de rir? Caímos numa rotina que as risadas passam a ser risos, os risos passam a ser um "esticamento" tenso de lábios resultando num discreto movimento do cantim da boca. E quando percebemos os lábios ficam tristes e não gargalham mais.

O tempo passa. E em tempos pandêmicos, máscaras não mostram mais as risadas, nem os risos, nem o cantim da boca. Os lábios ficam tensamente encostados um no outro. E os dias passam, e as noites também. 

Quantas risadas fantásticas guardamos para nós? Quantas vezes achamos que não nos acontecem muitas coisas engraçadas diariamente? Talvez porque esquecemos o quão gostoso é rir alto. Talvez porque ficamos com vergonha de rir até soltar ronco de porco ou engasgar. Talvez porque nossa risada seja como um motor falhando que começa e para. Talvez porque perdemos o fôlego. Talvez porque alguém não riu, muito menos sorriu, quando contamos algo que nos faz sorrir só de lembrar. Já ouviu risada de criança?  [Você está rindo? Eu também estou! Estamos rindo juntos]. 

"Conte-me algo engraçado sobre você."  

Penso que talvez não esperemos por esse tipo de pedido. Quem é que hoje pede algo assim? Talvez alguém que procura no desconhecido dos algoritmos e códigos alguma razão para continuar dando risadas de si. Ah! Mas procurar no desconhecido? Por que não procurar no conhecido? 

Estamos há dias em um deserto! Areia, areia, areia, imensidão de céu azul, imensidão de estrelas, calor e frio, alternados pelas horas. Estamos exaustos, sem vontade, cansados de nós mesmos, cansados de lutar contra nossa mente caótica. O deserto é conhecido por nós, por nossos olhos. Simplesmente caímos de joelhos, e deixamos a areia nos abraçar.  Fechamos os olhos. E, perdendo a noção de tempo, os abrimos novamente. Lá no horizonte sentimos uma brisa fresca, uma paisagem colorida em tons verdes que não diferenciamos  com exatidão. A paisagem está trêmula. Hesitando em levantar, o cansaço nos prende. Contudo, a lembrança do conhecido nos revigora. Precisamos chegar até lá. E se for só uma peça da nossa mente??? A incerteza nos aquece. Levantamos rumo ao desconhecido. Passos trôpegos, escorregões, queremos ir mais rápido. E então sorrimos sob a sombra de palmeiras. 

15:15, nono dia do nono mês de 2020