sexta-feira, 27 de março de 2020

Uma pedra no meio do caminho... Parte 3

- Oi Fuluna! Você já vai? 
- Sim, vou bater meu ponto! 
- Me espera pra me dar uma carona! Tenho aula, se não vou atrasar! 
- Tá bom! Te espero! 
- Viu só como sou abusada? Ela falou olhando para mim!
- Eu te entendo, você está atrasada! Mas não é por minha culpa! Cheguei aqui por volta das 17:15 e ela falou para eu esperar. Só me chamou naquela hora. 
- Eu sei que não é por sua culpa. Elas sempre fazem isso, já estou acostumada! É difícil menina, difícil!! 
Vira aqui, vira ali. Eu batendo os dedos uns nos outros. E olhando para o teto!
- Oi! Tudo bem? Prontinho! Boa cirurgia! Fica tranquila, Ana, vai dar tudo certo! [Ao chegarmos numa sala "cubículo", ela cumprimentou um homem que estava sentado lá com todas as vestimentas adequadas, ele sorriu para nós e nos cumprimentou. Agradeci a moça bonita e retribuí o cumprimento do homem!]

[Silêncio]

Na sala "cubículo", eu deitada na maca, o homem sentado em uma das seis cadeiras, e um crucifixo num tom dourado envelhecido acima da porta de entrada para o centro cirúrgico. Pensei, olhando para o crucifixo: "é pra você que eu confesso meus pecados aqui e agora?" . Ri comigo mesma, "não faça isso, Ana!"
- Oi! É você que vai me levar lá pra dentro? 
- Não! Estou esperando minha mulher, vou assistir o parto! 
- Aaah! Me desculpa! É que ela me colocou aqui com você e não falou nada, pensei que era algum tipo de protocolo.  
- Tudo bem! Eles também não me falaram nada, só falou pra colocar a roupa e esperar. Estou esperando, aí trouxeram você! 
- Menino ou menina?
- Menina! [Ele mais nervoso do que eu!]
Eu que não me continha, continuei:
- Parabéns! Como se chama? 
- Siclana! 
- Nossa quase minha Xará!! Muito bonito o nome!!! Que Deus abençoe o parto e vocês também!! [O Cara lá do crucifixo piscou para mim!]

 o.O Parei!!! 
brincando! Não piscou não, o crucifixo continuava lá quieto, mudo!! Foi uma resposta espontânea! É que ele estava mais nervoso do que eu! Eu posso fazer uma ideia. Se fosse eu, eu estaria "Me cagando", Deusdocéu!! O mundo uma loucura e o povo fazendo filhos!!! Isso, para mim, é apavorante! Contudo, ao mesmo tempo,  deve ser indescritível o sentimento naquele momento, acredito que nem se lembram que tem um mundo lá fora!! Pais tão inocentes quanto a bebezinha que estava para chegar ao nosso convívio!! Francamente, tem que existir um Deus mesmo! E que Ele não seja sádico!! Mas se Ele existe, qual a lógica disso tudo?? Sim!! O medo do desconhecido faz isso, traz alguns devaneios, alguns questionamentos!

Eu estava um tanto apreensiva sim! Sabe a lei de Murphy né?! Pois é! Era só o que eu pensava!! É que de repente muitas coisas começaram a dar certo! E pensava que meu tempo estava esgotando. Naquele cubículo pensei um pouco na vida. Tentei acalmar a mente porque fui avisada de que a cirurgia agradaria um pouco devido a demanda no centro cirúrgico. O pai entrou. 

Veio outro homem, este um senhor, também todo paramentado, grisalho, olhos claro, com voz grave e rouca, parecia o mordomo do Batman!!! Mas não tão simpático quanto o Alfred.  Ele tinha um tom arrogante a cada pergunta! Passei outra vez pelo Serasa da Saúde! Um questionário pior que interrogatório! E ao final, a surpresa:
- A senhora vai fazer cesárea né?! [Ele com meu prontuário na mão]
- Uai!!! NÃO!!! [O meu espanto foi o dele, contive minha vontade de rir porque, convenhamos, que constrangedor! Para não dizer: "Mas não é possível!!" Quanta falta de atenção, hein?!]

Minha quase mini xarazinha saiu do centro cirúrgico para ir ao berçário!! Que coisinha mais pititinha! Cabelo pretim, e muito cabelo!! A enfermeira que estava acompanhando disse que ela parecia ter o olho claro!!! Fiquei emocionada!! Olhei pro crucifixo e não fiz nenhuma piadinha! Espero que o Cara lá de cima tenha entendido meu pedido!! Que privilégio vê-la antes que os avós a pudessem ver!!! Elas foram embora. Chegaram respectivamente, dois casais mais idosos, os homens passariam por procedimento cirúrgico também, e as mulheres estariam lá para acompanhá-los. Chegou mais um casal para parir também! A moça novinha e brava. O pai, de primeira viagem, nervoso! 

Veio o Alfred novamente: 
- "essa porta fica fechada, ou você entra ou você sai!", grosseiramente falou com o pai. O pai gaguejou, coitado! Ele não sabia para onde ir para vestir a roupa de assistir ao parto! Claro que ele não sabia, as pessoas que são responsáveis por informar o que, onde e como fazer não informam!! Isso me dá uma indignação absurda! Comecei a pensar que não era só na minha rotina que essas coisas aconteciam! É lamentável! Depois do esporro, Alfred orientou o pai e levou a mãe para o centro cirúrgico.

Eu já  estava quase que em estado claustrofóbico naquele cubículo, deitada na maca, de barriga pra cima, com aqueles quatro idosos me olhando. Mesmo com aquele avental minúsculo e verde e um cobertorzim velho por cima de mim, me sentia nua e muito desconfortável!! Então, como se fosse a visão de um anjo [risos, aaah eu não poderia deixar essa passar!], veio outra moça bonita falar comigo numa docilidade tão doce que acalmou minha mente.
- Oi Ana, desculpa a demora! Mas vai demorar um pouco mais, por isso vou te levar pra ficar de castigo lá dentro junto conosco. 

Por uma questão ética, em respeito aos profissionais e pacientes, não descreverei o que aconteceu lá dentro. Calma! Apesar da demora, tudo certo! Pessoas muito gentis, educadas e humanas, correndo para dar o melhor a cada minuto e brigando com outros setores para conseguirem agilizar todas as cirurgias que ainda estavam por vir. Essa última moça bonita estava chefiando naquela noite! Queria poder vê-la outra vez!! Uma excelente profissional!!

Entrei na sala para a cirurgia as 21:35. As 21:50, apaguei! As 02:32 da manhã estava indo para a enfermaria! As 08:30 da manhã recebi alta! As nove e pouca da manhã já estava em casa, com minha pedra retirada do meio do caminho.

22:30, vigésimo sétimo dia do terceiro mês de 2020.

Pós-créditos
# No interrogatório do  Alfred:
Eu, humilde:
- Que horas são?
Ele, com voz aquela voz de dublador:
- Está em jejum?
- Sim!
- A que horas comeu e bebeu pela última vez?
- As 10:45 comi e as 11:03 bebi o último copo de água.
- [[Em Brasília]] são dezenove horas!!! 

# conheci a mãe da minha quase Xarazinha, e contei da minha gafe com o marido dela. Rimos muito! Ela me contou da dor da anestesia!

# maldito avental estúpido com abertura nas costas!
Anestesista fanfarrão que não gosta de berinjela mas precisa comê-las por causa da dieta:
Informação 01: - Vamos fazer um tomara que caia em você, mas pode ficar tranquila, só preciso que braço fique livre assim...
Informação 02: - Você não vai sentir nada durante a cirurgia, ok?! Mas agora vai doer, e vai doer muito.
PQP!!! Doeu mesmo, doeu muito!!! E quando eu começava a ter noção de como se sentia uma pessoa na hora da execução da pena de morte por injeção letal, virei o pescoço romanticamente para olhar mais uma vez para o relógio. Sabe o Alex de Madagascar quando foi alvejado com tranquilizantes e tudo começou a rodar?! Então, só lembro dos números 21:50.

# levar meias foi inútil!

# no quarto-enfermaria:
- se precisar de alguma coisa, é só apertar essa campanhia que alguém vem te ajudar!
- ok! Obrigada!!
Vontade absurda de fazer xixi, cadê que eu conseguia alcançar a campanhia?! Me senti naqueles filmes de terror!
É agora que faço xixi na cama! Tentava controlar minha vontade, eu estava no escuro, sem calcinha, não alcançava a campanhia, não conseguia nem poderia me levantar sozinha. Phudeu!! Finalmente alguém veio. Depois de uma eternidade de minutos, a enfermeira me levou ao banheiro. É extremamente horrível depender de alguém estando nessas condições e com o risco de ficar com a bunda ao vento!! Um misto de vontade de rir e chorar!



3 comentários:

  1. Heyyy, adorei não só a forma de contar a história da cirurgia em forma de trilogia mas também o jeitão mei cômico hahaha. Só vc mesmo pra tornar essas coisas leves e engraçadas =P.
    Abraçoss

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  2. Muito bom minha amiga! A sua forma de relatar os fatos é fenomenal! Me fez rir muito aqui. Abração!

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